O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, por outro lado, é crítico da nova versão: 'Brasil será campeão mundial de exceções'.
Por André Catto, g1
Plenário do Senado durante debate sobre reforma tributária com a presença de governadores — Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
A primeira versão do relatório da reforma tributária no Senado Federal foi apresentada nesta quarta-feira (25) pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM). A expectativa é que o texto seja votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário da Casa entre os dias 7 e 9 de novembro.
Para tributaristas ouvidos pelo g1, o texto apresenta avanços importantes, especialmente na questão fiscal.
O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, por outro lado, é bastante crítico das mudanças. Segundo ele, com as novas alterações, o Brasil se tornará "campeão mundial de exceções" no seu imposto sobre valor agregado (IVA), o que deve elevar a alíquota geral (entenda mais abaixo).
As exceções, nesse caso, são regimes especiais de cobrança de impostos — ou seja, redução ou definição específica de tributos para determinadas atividades em comparação com a alíquota padrão.
Entre os principais pontos alterados no Senado em relação ao texto aprovado pela Câmara dos Deputados em julho, estão:
- aumento do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) dos estados;
- determinação de uma revisão periódica, a cada cinco anos, dos benefícios que reduzem a tributação de setores específicos da economia (entenda mais abaixo);
- limitação da carga tributária sobre o consumo a uma porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) — com base na média da receita no período de 2012 a 2021 (entenda mais abaixo);
- criação de uma alíquota intermediária de impostos — com redução de 30% em relação à alíquota geral — para profissionais liberais, como advogados, médicos e arquitetos;
- inclusão de setores em regimes diferenciados de tributação, entre eles o de saneamento, telecomunicações e concessão de rodovias.
Fundo de Desenvolvimento Regional
O texto apresentado no Senado ampliou de R$ 40 bilhões para R$ 60 bilhões o valor colocado pela União no fundo para os estados. Pela regra aprovada anteriormente na Câmara, a cifra cresceria gradativamente até o patamar de R$ 40 bilhões em 2033.
Agora, a nova versão eleva o valor para os R$ 60 bilhões anuais – mas só a partir de 2043. Entre 2034 e 2043, haverá um incremento de R$ 2 bilhões ao ano.
Os valores visam dar condições aos estados para o desenvolvimento de atividades produtivas. Saiba mais sobre o Fundo de Desenvolvimento Regional.
O tributarista Edison Fernandes, sócio da Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados, explica que o aumento de valores de transferência da União é uma consequência do fim dos incentivos fiscais estaduais, que vão acabar com a reforma tributária.
"Passa a ser [um repasse] financeiro, e não tributário", diz. "Um dinheiro efetivamente às custas da União, que acabará transferindo esses recursos."
A advogada Kelly Martarello, do Escritório Martarello Advogados, considera "bastante positivo" o aumento do fundo regional. Na prática, é uma regra que substitui os atuais benefícios fiscais dos estados.
De acordo com o texto da reforma, os impostos começarão a ser cobrados no destino (onde o produto é consumido), e não mais na origem (onde ele é produzido).
"A medida deve ajudar a remediar prejuízos de estados do Sul e do Nordeste, que serão os mais afetados — ao contrário dos grandes centros consumidores, como São Paulo e Rio de Janeiro, que tendem a ser beneficiados", diz.
Veja no vídeo abaixo outros detalhes do texto apresentado no Senado:
Parecer de reforma tributária no Senado tem mudanças em relação ao da Câmara
Revisão periódica de benefícios
O trecho que trata da revisão dos benefícios fiscais concedidos a setores específicos da economia também foi visto com bons olhos pelos tributaristas.
Na prática, esses benefícios devem ser revisados a cada cinco anos, com base em metas de desempenho econômicas, sociais e ambientais, entre outros.
Para Carlos Marcelo Gouveia, sócio da área tributária do Almeida Prado e Hoffmann Advogados, as análises periódicas servirão como uma forma de identificar se determinados setores permanecem "necessários e úteis" para a sociedade.
"A cada cinco anos, portanto, esses regimes poderão ser extintos ou até mesmo ampliados", diz.
Segundo Gustavo Brigagão, sócio do Brigagão, Duque Estrada Advogados, a regra obriga essas atividades a se provarem essenciais — ou seja, a se mostrarem merecedoras das reduções.
"Há, no entanto, profissões essenciais que não devem ser checadas através de números, mas sim da atividade em si, dada sua importância", diz. "Mas essa é uma questão ainda não definida, que ocorrerá em discussão posterior."
O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega pondera que, apesar de ser um ponto interessante na proposta, a revisão pode se tornar uma medida ineficaz.
“A experiência mundial mostra que, após criada, dificilmente uma alíquota especial é alterada”, diz, citando o exemplo da Europa, que adotou seu IVA nos anos 1960.
Limitação da carga tributária
O artigo que limita a carga tributária dos impostos sobre o consumo a uma porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) também foi bem avaliado por tributaristas.
Na prática, o trecho estabelece um teto calculado com base na média da receita dos impostos a serem extinguidos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) entre 2012 a 2021. Essa média, segundo o texto, será apurada como proporção PIB.
A ideia é que a alíquota de referência dos novos tributos seja reduzida caso exceda o teto de referência.
"Vamos implantar o CBS [Contribuição sobre Bens e Serviços, um dos dois novos tributos]. Nos quatro primeiros anos, vem implantando. No quinto ano, é auferido a carga [arrecadada] e compara com a referência [da média dos últimos 10 anos]. Se tiver extrapolado, ajusta para baixo. Da mesma forma no IBS", explicou o relator da reforma tributária no Senado, Eduardo Braga.
Para Leonardo Branco, Sócio do Daniel & Diniz Advocacia Tributária, trata-se de um cálculo importante.
"Isso porque traz um limite. Assim, qualquer desejo arrecadatório vai ter de ser saciado com outras fontes tributárias: a tributação sobre a renda e sobre o patrimônio", afirma.
O ex-ministro Maílson da Nóbrega, por outro lado, acredita ser um erro a criação da nova trava.
"Primeiro, isso não existe nenhum canto do mundo. Em segundo lugar, [a regra] vai gerar uma alíquota mais baixa do que a de hoje. Isso não faz sentido em um país que tem a rigidez orçamentária do Brasil", diz. "Em situações em que for necessário aumentar temporariamente a receita, isso não vai ser possível. Essa trava é um erro."
Alíquota intermediária a profissões regulamentadas
Gustavo Brigagão, que participou dos debates para formulação do texto no Senado, considera um avanço a inclusão da redução intermediária de 30% da alíquota (em relação à alíquota geral) para profissões regulamentadas (profissionais liberais), como advogados, médicos, arquitetos, entre outros.
O ponto não tinha sido contemplado no texto aprovado pela Câmara dos Deputados.
"Mas [a porcentagem] ficou muito aquém da esperada. Isso porque estamos falando de profissões essenciais tanto quanto as atividades já incluídas no regime especial, com redução de 60%", afirma.
Maílson da Nóbrega vê a alíquota intermediária como mais um regime de exceção, o que, segundo ele, colaborou para "piorar muito a qualidade do texto" apresentado no Senado.
"Aumentaram muito as exceções. Algumas sem uma justificativa razoável. Não faz sentido criar mais uma alíquota para profissionais liberais", critica o ex-ministro.
Inclusão de setores em regimes diferenciados de tributação
Outro ponto que, segundo Nóbrega, pode ajudar o Brasil a ser o "campeão mundial de exceções" foi a inclusão de setores no regime diferenciado de tributação no texto apresentado no Senado.
Na nova versão, a reforma tributária prevê regime específico para alguns setores:
- operações alcançadas por tratado ou convenção internacional, inclusive missões diplomáticas e representações consulares e de organismos internacionais;
- serviços de saneamento e de concessão de rodovias;
- operações que envolvam a disponibilização da estrutura compartilhada dos serviços de telecomunicações;
- serviços de agência de viagem e turismo;
- transporte coletivo de passageiros rodoviários intermunicipal e interestadual, ferroviário, hidroviário e aéreo.
Ao mesmo tempo, o texto já prevê que alguns setores pagarão 40% da alíquota geral (cobrada de todos os segmentos da economia), que pode chegar a 27% — uma das maiores do mundo. Há ainda aqueles com alíquota zero, em itens como os da cesta básica, por exemplo.
"Quanto mais exceções, maior vai ser a alíquota [geral]. Então, outros segmentos vão pagar mais caro pela concessão desses benefícios aos que conseguiram fazer um lobby eficiente", diz Maílson da Nóbrega.
Segundo o ex-ministro, ainda "há risco" de novas exceções antes da aprovação do texto no plenário do Senado.
"Sem exceções, o Ministério da Fazenda afirmava que a alíquota poderia ser de 22%. Depois de tramitar na Câmara dos Deputados, pulou pra 27%. Agora, certamente vai ser algo em torno de 28% a 30%."
Pontos ainda precisam ser esclarecidos
Pontos da reforma tributária ainda deverão ser detalhados posteriormente, em lei complementar — o que ainda deixa dúvidas sobre o texto.
Um exemplo é o Imposto Seletivo, que tem como objetivo desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
"Infelizmente, não foram apresentadas balizas consistentes para a incidência do Imposto Seletivo, que permanece com uma base ampla e subjetiva de incidência", conclui o tributarista Carlos Marcelo Gouveia.
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