Por Marcelo Rocha, g1 PR e RPC — Curitiba
Presidente de comissão que revisa Código Civil diz ser necessário discutir rede social
“Quem achar que nos últimos 10, 15 anos a sociedade não mudou, é porque não está vivendo nesse mundo."
A avaliação é do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Corregedor Nacional do Conselho Nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, de 60 anos, que preside a comissão de juristas encarregada de revisar o Código Civil Brasileiro, uma das principais leis do ordenamento jurídico nacional.
O ministro ponderou que o “mundo presencial”, do período em que o código em vigor foi elaborado, mudou por completo. A versão que está por vir, avalia, precisa se adequar - e aqui entra a discussão sobre a regulação das redes sociais.
“Pode avançar nisso, direta ou indiretamente, sem dúvida nenhuma. Há um consenso hoje na sociedade da necessidade dessa regulação, porque não se pode fazer tudo na rede social. Não pode ofender, agredir; não pode tratar de pedofilia, suicídio. Tem que ter limite. Não pode ser um território onde se pode tudo”.
O ministro lembrou que existe um projeto de lei tramitando no Congresso Nacional para regular o ambiente das plataformas digitais e demonstrou que pretende adotar cautela no tratamento da questão.
“Nós vamos avaliar se é o caso de se avançar no âmbito do Código Civil com esse tipo de regulação ou se vai ficar limitado à regulação de conteúdo ou ao direito de imagem e autoria intelectual. Tudo isso é regra do Direito Civil”.
Salomão falou sobre o assunto ao g1, em entrevista exclusiva. No CNJ, é responsável pela análise e o encaminhamento de denúncias e reclamações relacionadas a juízes e à prestação jurisdicional no país.
Os temas discutidos para o novo Código Civil
O ministro listou temas que entraram no radar da sociedade brasileira nas últimas décadas e que, na visão dele, devem ser inseridos de maneira mais clara na versão atualizada do Código Civil.
O casamento entre pessoas do mesmo sexo e a adoção de crianças por casais homoafetivos são exemplos que contam com decisões consolidadas no Supremo Tribunal Federal (STF) e no STJ.
“O que nós vamos fazer agora é verificar tudo o que já foi feito de precedente no Supremo e no STJ e vamos colocar na lei aquilo que já foi objeto de decisão judicial. Nós vamos avaliar a inserção disso no texto pra tornar claro, e não só uma interpretação, esses novos avanços, esses novos arranjos”.
Embora haja disposição de incluir no código a jurisprudência produzida pelo STF sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo, há iniciativas contrárias no próprio Congresso.
Em outubro, a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados aprovou projeto que proíbe a união homoafetiva.
A iniciativa, prevista no parecer do relator do projeto, deputado Pastor Eurico (PL-PE) ainda precisa passar por outras comissões da Casa antes de ir a plenário.
Presidente de comissão que revisa Código Civil diz ser necessário discutir rede social — Foto: RPC
O que é o Código Civil
O Código Civil é a cartilha do direito privado brasileiro – um dos mais complexos do ordenamento jurídico do país e tem a função de regular questões ligadas à esfera do direito de pessoas, empresas e instituições.
O código regula, por exemplo, contratos particulares, regras sobre a posse, sucessão familiar, heranças.
Também estabelece parâmetros para a aplicação do direito de família – como, por exemplo, disputa pela guarda dos filhos, casamentos e divórcios, contratos de união entre pessoas do mesmo sexo.
“O Código Civil é um estatuto da vida em sociedade desde antes do nascimento até a nossa morte, e além da morte”, afirma o ministro.
Luis Felipe Salomão lembra que é justamente a abrangência do código que o torna tão importante e, ao mesmo tempo, tão sujeito à necessidade de alterações.
“Na hora em que você entra no ônibus é um contrato; na hora em que compra a refeição do almoço, é um contrato; quando negocia no comércio eletrônico, é também um contrato”, exemplifica Salomão para dimensionar a abrangência da lei.
Última versão é de 21 anos atrás
Presidente de comissão que revisa o Código Civil fala da necessidade de atualização
A atual configuração do Código Civil Brasileiro passou a valer em janeiro de 2002. Antes de ficar pronta, tramitou por mais de 25 anos no Congresso Nacional.
Ela é ainda fruto de uma atualização da versão de 1916 conhecida como “Código Beviláqua”, uma homenagem ao jurista e historiador cearense Clóvis Beviláqua, responsável pela elaboração da espinha dorsal daquele código.
Novas mudanças que, consequentemente, produziram modificações nas relações privadas, impõem a nova reformulação que está em curso.
Para Luis Felipe Salomão, a internet e todas as transformações produzidas por ela não estão devidamente contempladas na estrutura atual do código – e essa é, segundo ele, uma das razões que apressam a necessidade de revisão.
“Nós tivemos uma extraordinária transformação, com a revolução das comunicações: a comunicação instantânea, o mundo da internet, a internet das coisas, da inteligência artificial, o avanço da tecnologia, tudo isso foi radicalmente alterado com o advento da internet e com essa ideia da comunicação instantânea”, teorizou Salomão sobre o caminho percorrido pelo país e pelo mundo nas últimas duas décadas.
A comissão
A Comissão de juristas que, sob a presidência do ministro Luis Felipe Salomão, vai reformar o Código Civil brasileiro, está em atividade desde setembro.
São 30 integrantes, entre advogados, professores, juízes, ex-juízes, promotores, representantes da sociedade civil e estudiosos do direito que se subdividiram em grupos para realizar a tarefa.
Eles têm audiências públicas e encontros periódicos previstos para Brasília, São Paulo, Porto Alegre e Salvador.
Serão analisados projetos de lei que tramitam no Legislativo Federal, sugestões de juristas e entidades.
Presidente de comissão que revisa Código Civil prevê mandar matéria ao Senado ao que vem
O grupo também vai mergulhar em decisões firmadas em cortes superiores. São sentenças e despachos que, embora não possam mais ser modificados, ainda não figuram como norma porque vieram depois da última atualização do código.
Com tudo em mãos, a comissão deverá votar internamente para a escolha dos temas que precisam ser alterados e incluídos.
E, depois disso, redigir um texto em forma de projeto de lei, que deverá ser entregue ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) até o fim do primeiro semestre do ano que vem.
“Acreditamos que lá por meados do ano que vem, estaremos concluindo o trabalho da comissão e entregando para o presidente (do Senado) Rodrigo Pacheco a nossa proposta, onde vai tramitar e onde alguns destes temas vão sofrer o debate dos representantes do povo, esses sim com representatividade pra modificar ou não o dispositivo legal”.
Luis Felipe Salomão descartou a possibilidade de que a revisão do Código Civil tenha o potencial de criar insegurança jurídica.
“Não há a menor possibilidade de gerar insegurança jurídica. O que nós queremos é avançar na interpretação do código, mas calcados no que a jurisprudência já vem tratando e no que o avanço da sociedade já vem exigindo”.
Papel moderador do Judiciário
Na entrevista exclusiva ao g1, o ministro Luis Felipe Salomão respondeu às críticas dos que enxergam exagero na atuação do Poder Judiciário no Brasil.
Para ele, há confusão na interpretação do papel dos juízes no país.
“O juiz tem um limite pra interpretar a lei. Às vezes, é uma interpretação mais elástica, às vezes mais restrita. São técnicas de interpretação. O juiz, o judiciário, não pode criar a lei, tem que interpretar a lei de maneira que seja mais adequada ao tempo que se está vivendo”.
Luis Felipe Salomão nega que o Brasil viva um tempo de ativismo judicial. E afirma que, no Brasil, o judiciário ganhou um protagonismo maior a partir das decisões tomadas no julgamento do mensalão.
Ainda segundo Salomão, os tribunais precisaram adotar uma postura diante do que ele classificou como um projeto populista e autoritário de poder que identificado não só no Brasil recente.
“Essa ascensão gera choques. (E acontece) quando há um projeto de poder populista, onde não interessa o freio e contrapeso do regime democrático e (onde) o que vale é a tomada do poder mesmo que pisoteando as instituições”.
O ministro tratou também das iniciativas que surgem no legislativo para alterar regras de funcionamento do judiciário – como, por exemplo, as tentativas, no Congresso, de definir regras de escolha e tempo de mandato para juízes de cortes superiores.
“O que acontece neste momento? É evidente (que o Judiciário) vira um certo alvo dessa linha de conduta. Agora no Brasil nós retomamos a normalidade democrática e isso vai voltando pro lugar. Aquilo em que houve de excessos vai retornando pro lugar. Um debate sério sobre o papel do Supremo e do STJ dentro dessas mudanças é livre, é democrático. O parlamento pode fazer. Só não pode haver retaliações de lado a lado porque isso não faz bem para a democracia.”
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