Especialistas criticam a falta de diagnóstico prévio, porém consideram programa um avanço para modernizar as indústrias brasileiras.
Por Nathalia Sarmento, g1 — Brasília
Uma das prioridades do governo federal, o plano Nova Indústria Brasil (NIB) divide opiniões e, nas últimas semanas, foi alvo de debates entre representantes do segmento e economistas. De acordo com especialistas ouvidos pelo g1, um dos pontos fortes é o estímulo ao setor, mas ainda existem dúvidas se o desenho do plano vai trazer recursos de forma eficiente.
Lançado em janeiro deste ano, o Nova Indústria Brasil nasceu com a missão de aumentar a capacidade competitiva da indústria brasileira até 2033. E, para isso, promete atacar dois problemas do setor: a desindustrialização e o desenvolvimento de produtos com baixa complexidade tecnológica.
Entre as medidas anunciadas, estão benefícios fiscais para a indústria química, metas para redução do prazo de patentes, incentivos ao bionegócio na Amazônia, um novo programa tecnológico para semicondutores e a elevação da mistura do etanol à gasolina de 27,5% para 30% no futuro, entre outros (leia mais abaixo).
Para viabilizar a nova política industrial, o governo promete liberar linhas de crédito, subsídios e aumentar investimentos públicos. A curto prazo, a previsão de financiamento ao setor é de cerca de R$ 300 bilhões até 2026 — último ano do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em um aceno à indústria, o presidente Lula esteve, nesta sexta-feira (2), na fábrica da Volkswagen de São Bernardo do Campo.
"Se tiver inauguração de uma fábrica de palito de dente, eu estarei lá, porque este país precisa de otimismo", declarou o presidente, na ocasião.
Leia detalhes do plano e o ponto de vista de alguns especialistas abaixo:
Pontos Fortes
- Indústria moderna e transversal
A indústria responde por 26,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Os dados de 2022 são os últimos divulgados sobre o assunto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, o Brasil já esteve em melhor posição. Em 2010, por exemplo, as indústrias brasileiras representavam 27,4% do PIB.
Para a economista da Fundação Getúrlio Vargas (FGV) Carla Beni, o plano do governo federal é uma resposta à necessidade de modernização do setor. E, também, uma oportunidade de aumentar essa fatia na participação da indústria num indicador tão importante e que serve de termômetro para a economia.
“O Brasil vem perdendo importância no setor da indústria. Historicamente, continuamos um país agrário e exportador. Então, precisamos mudar a nossa pauta exportadora e, esse plano, justamente, traz um ar de modernidade a economia brasileira”, afirmou a economista.
“Existem metas entre o setor público e o setor privado, incluindo eixos transversais. A transversalidade tem a ver com uma forma moderna e integralizada de se entender a economia. Essa união traz mais retorno, devido à variedade de setores que se dinamizam, ou seja, emprego, renda e várias questões sociais podem ser trabalhadas”, prosseguiu.
No documento do plano, elaborado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), o governo destaca que, por trás das ações de desenvolvimento da indústria, devem estar princípios classificados como transversais. Alguns deles são: inclusão socioeconômica; equidade de gênero; cor e etnia; sustentabilidade e redução das desigualdades.
- Investimento no mercado de carbono
Essa é a primeira vez que o mercado de carbono é mencionado formalmente em um plano industrial do país. Para representantes do setor, esse é um importante passo para acelerar a transição energética, ou seja, a mudança da matriz energética do país a partir de fontes mais sustentáveis.
Na perspectiva do diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas da Câmara Americana de Comércio (Amcham Brasil), Fabricio Panzini, investir na pauta verde é fundamental para expandir as relações comerciais do Brasil.
“Em 2022, os EUA investiram US$ 472 milhões [equivale a mais de R$ 2,3 bilhões] em energia renovável, sendo energia hidráulica, solar ou eólica. A própria Organização das Nações Unidas [ONU] considerou o Brasil o país que mais recebe investimentos em projetos de energia renovável. Devemos investir mais nesse fator e o plano oferece ótimos critérios”, afirmou.
Uma das metas do programa é elevar em 50% participação dos biocombustíveis na matriz energética de transportes.
- Geração de mais empregos
A indústria nacional possui 303,6 mil empresas — com uma ou mais pessoas na composição —, o que corresponde a mais de 7,7 milhões de pessoas empregadas. Esse levantamento consta na Pesquisa Industrial Anual Empresa 2020 (Pia Empresa).
No plano, o governo destaca como compromisso “estimular o processo técnico e, consequentemente, a produtividade e competitividade nacionais, gerando empregos de qualidade”, mas não detalha, em nenhum momento, número de vagas ou expectativa de geração de emprego.
Na avaliação do diretor de Desenvolvimento Industrial e de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Rafael Luchesi, as diretrizes apresentadas no documento tornarão mercado de trabalho “mais fortalecido”.
“Os principais países do mundo têm políticas industriais ativas, não apenas pelo sucesso que a China teve, mas também pelo fato de a atividade industrial gerar mais e melhores empregos, devido às cadeias longas presentes no processo", argumentou.
"Hoje, o emprego está mais presente na economia de serviços, a categoria depende muito da classe média. Mas, como as indústrias pagam melhor, a medida terá um impacto mais favorável”, explicou o diretor.
Pontos fracos
- Descentralização dos agentes financiadores
De acordo com o Nova Indústria Brasil, os R$ 300 bilhões em financiamentos serão geridos pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e pela Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).
Segundo o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, o montante será disponibilizado em linhas de crédito específicas – sendo que R$ 271 bilhões serão na modalidade reembolsável e R$ 21 bilhões de forma não reembolsável – além de R$ 8 bilhões em recursos por meio de mercado de capitais, ou seja, levados ao mercado financeiro.
Ao longo de 2023, de acordo com dados do próprio BNDES, a instituição investiu R$ 19,6 bilhões em operações com foco em transição energética. Ao todo, foram realizadas 51 ações nesse sentido.
Mesmo observando a familiaridade que o banco possui com a economia verde, o economista do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC) William Baghdassarian considera que envolver vários financiadores pode “comprometer” a estabilidade do plano.
“Um exemplo é a exportação prevista no plano. O financiamento é dado por um subsídio do Tesouro Nacional que depende de um orçamento contingenciado e, logo em seguida, passa pela Comissão de Financiamentos Externos do Ministério da Fazenda, mas também é direcionada ao Banco do Brasil e ao BNDES. Ou seja, são vários setores envolvidos, o que pode comprometer a efetivação da medida”, disse Baghdassarian.
O economista afirmou ainda que o governo deve oferecer “estabilidade econômica” para atrair a atenção de mais investimentos internacionais no Brasil. A análise leva em conta o registro, no ano passado, de queda de 22,82% no fluxo de Investimento Estrangeiro Direto (IED) para o Brasil — com relação ao acumulado de 12 meses até outubro.
- Abrangência e similaridade com outras políticas
A iniciativa do governo para aprimorar a indústria brasileira não é inédita. Ao longo das últimas duas décadas, foram lançadas pelo menos três instrumentos com esse foco: o Plano Brasil Maior (2011), a Política de Desenvolvimento Produtivo (2008) e a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (2004).
Para a economista da FGV Carla Beni, embora o Nova Indústria Brasil trace diretrizes para curto e longo prazo, falhou em estabelecer prazos mais concisos para o desenvolvimento em cada setor.
“O programa é, digamos, genérico demais e muito amplo. Ele precisa ser mais especificado. Estou aguardando as metas para 2026 e as metas para 2033. Como se trata de um programa estatal, não pode haver apenas a intenção. Foram seis grandes linhas gerais e o plano poderia ser mais específico, faltaram os escopos centrais” comentou a economista.
As "grandes linhas" de que Carla fala são os seis eixos que receberão maior atenção dentro do plano. São eles: agroindústrias; complexo industrial da saúde; infraestrutura urbana; transformação digital; bioeconomia e transição energética; e tecnologia de defesa.
A crítica feita pela economista é simular à feita no lançamento do primeiro plano industrial do governo Lula, há 20 anos. Especialistas, à época, alegaram "falta de clareza e de objetivos relativos aos setores industriais mais intensivos".
Para o economista do IBMEC William Baghdassarian, o programa atual se parece muito com o de 2011 do governo Dilma Rousseff.
“A sensação que se tem é de que já tentaram fazer isso, antes. Na época do governo Dilma, houve uma intervenção do Estado como fomentador de política pública, que foi acima do desejado e gerou uma crise em 2015, 2016", pontua Baghdassarian.
- Diagnóstico prévio e maior embasamento
Ainda segundo o economista da IBMEC, para que o programa fosse estruturado com critérios compatíveis aos do mercado industrial brasileiro, o governo deveria ter realizado, antecipadamente, "uma avaliação 'ex ante'", isto é, um diagnóstico que avalia as incoerências resultadas de planos anteriores.
“Um plano de adesão na indústria nacional não é feito de qualquer forma, é necessário um diagnóstico prévio do governo referente ao último programa apresentado, com um balanço da antiga medida. Além disso, ao elaborar um plano, é importante ouvir especialistas que não falem somente pelas indústrias. Trata-se de um assunto que interfere na economia brasileira”, afirmou William Baghdassarian.
O especialista disse, também, que a faltou clareza e definição de relevância nas metas.
"Não sei até que ponto os itens levantados no plano são considerados prioritários. Elencaram diversos setores da indústria. A meu ver, é uma boa iniciativa, porém ficou a impressão de que juntaram vários representantes da área e fizeram uma carta de intenções", justificou o economista.
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