O instrumento tranca a pauta de votações a partir de 45 dias.
Por Elisa Clavery, Luiz Felipe Barbiéri, Globo News e g1 — Brasília
Com dificuldades na aprovação de medidas provisórias (MPs), em apenas um ano e três meses de mandato o governo Lula quase triplicou o números de urgências constitucionais em projetos no Congresso em comparação aos quatro anos do governo anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro.
De 2019 a 2022, Bolsonaro encaminhou 10 projetos com urgência constitucional, mas cancelou o pedido em nove situações.
Já Lula, de janeiro de 2023 ao início de abril de 2024, encaminhou 27 propostas com o instrumento, ainda que também tenha retirado a urgência nove vezes.
Segundo dados da Câmara dos Deputados, o número de propostas que tramitam em urgência sob o atual governo também é o maior enviado por presidentes desde 2002, no primeiro mandato de Lula – período em que o levantamento foi feito.
O que é a urgência constitucional
A urgência constitucional é uma ferramenta usada pelo Executivo para pedir prioridade ao Congresso em uma proposta de autoria do governo. O modelo permite que a votação seja feita diretamente no plenário, sem passar pelas comissões.
Contudo, a proposta “engessa” o Congresso, já que após 45 dias de tramitação o projeto passa a trancar as pautas no plenário – ou seja, impede a votação de outros projetos até que o de autoria do governo seja votado.
Técnicos do Congresso também apontam o instrumento como uma forma do governo controlar a pauta da Câmara e do Senado, uma vez que o trancamento pode impedir a análise de propostas que desagradem o Executivo.
O governo pode, a qualquer momento, pedir o cancelamento da urgência - se quiser, por exemplo, que outro projeto seja analisado - ou enviá-la novamente, situação em que o prazo de 45 dias recomeça do zero.
No último dia 19, enquanto a pauta da Câmara estava trancada por projetos do governo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), fez uma reinterpretação da contagem do período de 45 dias, o que permitiu que o plenário pudesse analisar dois projetos do seu interesse – a proposta que proíbe as saídas temporárias de presos e o novo Ensino Médio.
Arthur Lira (PP-AL) preside sessão da Câmara dos Deputados. — Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados
Na ocasião, Lira entendeu que o prazo de projetos com urgência constitucional enviados pelo governo durante o recesso parlamentar deveria contar a partir do dia 5 de fevereiro – data em que o Congresso fez um evento de abertura dos trabalhos legislativos –, e não a partir do dia 2 de fevereiro, quando o recesso parlamentar é encerrado segundo a Constituição. Com essa nova interpretação, a Câmara ganhou dois dias sem o trancamento da pauta.
Medidas provisórias
Tanto parlamentares governistas quanto de oposição dizem que a explicação para o excesso de urgências é a dificuldade de o governo aprovar medidas provisórias.
Desde o ano passado, as presidências da Câmara e do Senado não chegaram a um acordo sobre o rito de tramitação das MPs.
De um lado, os senadores querem retomar o formato previsto na Constituição e que era adotado antes da pandemia, com as MPs analisadas antes em comissões mistas, formadas por integrantes das duas Casas.
Já os deputados defendem o modelo de votação diretamente no plenário, sem passar pelos colegiados – onde eles alegam que há um desequilíbrio na representação da Câmara em relação à do Senado, já que o número de integrantes nas comissões é igual nas duas Casas, ainda que o Congresso seja formado por 513 deputados e 81 senadores.
Câmara e Senado divergem sobre tramitação das medidas provisórias. — Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Insatisfação
O próprio presidente da Câmara disse no ano passado que a apresentação de projetos com regime de urgência era um modelo mais adequado. Contudo, aliados do parlamentar começam a avaliar que há um excesso na quantidade de pedidos.
Deputados da oposição e do Centro veem um exagero no número de urgências e reclamam que o modelo tem tirado protagonismo das comissões temáticas do Congresso.
“Tem um certo exagero no pedido de urgência com relação a vários projetos que poderiam tramitar num regime que não fosse de urgência constitucional. Há uma coisa fora do padrão, exagerada”, diz um dos vice-líderes da oposição Mendonça Filho (União-PE), que pondera que a situação é derivada da dificuldade de o governo aprovar medidas provisórias.
Deputado Mendonça Filho (União-PE). — Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
Já o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), um dos vice-líderes do governo no Congresso, diz que o modelo é constitucional e não está atrapalhando a pauta do Congresso.
“Se houvesse um acordo entre os presidentes da Câmara e do Senado sobre as medidas provisórias, o governo não estaria mandando tantas urgências. O que não dá é para impedir o governo de governar”, afirmou Zarattini.
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