Parte das famílias quer continuidade das buscas, e outra pede fim da operação.
Por Leonardo Milagres, Rafaela Mansur, g1 Minas — Belo Horizonte
Brumadinho 5 anos: com dor e sem justiça
Foto: Douglas Magno / Arte: Bárbara Miranda/g1
O filho mais velho de Nathália de Oliveira Porto Araújo gosta de olhar para o céu e procurar por ela nas estrelas. A caçula pede que a família mostre fotos para guardar a imagem da mãe na memória.
Os dois tinham 4 e 3 anos quando a barragem da Vale rompeu em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, no dia 25 de janeiro de 2019, e despejou 12 milhões de metros cúbicos de rejeito em instalações da empresa, comunidades e no Rio Paraopeba.
Estagiária da mineradora havia quatro meses, Nathália saiu atrasada de casa naquela manhã e correu para pegar o ônibus em direção à mina Córrego do Feijão. Estava no horário de almoço, conversando com o marido por telefone, quando viu a lama se aproximar e disse: "Deus, me dá o livramento".
O corpo de Nathália nunca foi encontrado.
"Um dia, o filho dela perguntou na minha casa se, se ele morresse, ia encontrar a mãe dele. Eu não tive coragem de responder", contou Tânia Efigênia de Oliveira Queiroz, 51, prima da vítima.
Nathália de Oliveira, vítima de rompimento de barragem da Vale, segue desaparecida — Foto: Arquivo pessoal
Cinco anos depois, o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais mantém as buscas por Nathália e também por Tiago Tadeu Mendes da Silva e Maria de Lurdes da Costa Bueno, que seguem desaparecidos. Outros 267 mortos foram encontrados e identificados, incluindo duas mulheres grávidas.
"A gente ainda tem esperança de fazer um enterro digno, mas isso também depende muito do que os bombeiros vão falar. É muito triste, a gente espera encontrá-la, mas tem hora que eu penso que, pelo tempo que está passando... Tenho medo de ela ficar na lama", afirmou Tânia.
Tânia Oliveira, prima de Nathália
Foto: Leonardo Milagres/ g1
'Eu suplico que parem com as buscas'
Na casa de Tiago Tadeu, a esperança se transformou, ano após ano, em angústia e sofrimento. A mãe dele, Lúcia Aparecida Mendes Silva, 58, acredita que vai voltar a ter paz quando as buscas pelos desaparecidos cessarem.
"Já são cinco anos de espera, de muito sofrimento, cinco anos esperando o telefone tocar. Imagina dormir e acordar esperando o telefone tocar. Já perdi as esperanças, a Vale não entregou nem nunca vai entregar o corpo do meu filho para mim. Eu suplico que parem com as buscas", disse a mãe.
Tiago Tadeu Mendes da Silva — Foto: Reprodução/Redes sociais
Tiago era apaixonado pelo Clube Atlético Mineiro e era o mais velho de três irmãos. Engenheiro mecânico recém-formado, trabalhava em outra mina e tinha sido transferido para Brumadinho cerca de 20 dias antes da tragédia. Deixou a mulher e dois filhos – o caçula, com 8 meses.
Para Lúcia, a mina da Vale onde as buscas estão concentradas deveria ser transformada em um espaço arborizado e florido, para que as famílias pudessem se reunir, orar e visitar os pais, filhos, irmãos e netos mortos pela lama.
"Meu filho já está no céu, com Deus, longe da maldade do homem. As buscas só me trazem mais dor, eles não vão mais achar o corpo do meu filho. Vão achar um ossinho dele, e eu não aceito. Não aceito enterrar um pedacinho dele. Eu peço as autoridades que parem as buscas, é uma mãe que está pedindo".
À espera de justiça
Alexandra Andrade perdeu o irmão Sandro Andrade Gonçalves, de 42 anos, e o primo Marlon Rodrigues Gonçalves, de 35, na tragédia. Os dois eram funcionários da Vale.
Sandro Andrade e Marlon Gonçalves, mortos na tragédia da Vale em Brumadinho — Foto: Arquivo pessoal
"Meu irmão tinha um horário certinho de dormir, a camisa dele tinha um cabide que ficava pendurado pra ficar bem passada. Ele tinha orgulho de trabalhar na empresa", lembrou Alexandra. "A gente não imaginava o risco que eles estavam correndo".
Mas, segundo as investigações, a Vale previa. Apesar de ter conhecimento dos problemas da barragem, a consultora Tüv Süd emitiu Declarações de Condição de Estabilidade da estrutura mesmo com o fator de segurança abaixo do recomendado por padrões internacionais. A mineradora sabia da situação e apresentou os documentos às autoridades.
Foto: Foto: Leonardo Milagres/ g1
Há um ano, Vale, Tüv Süd e 16 pessoas se tornaram rés no processo que corre na Justiça Federal. Até hoje, ninguém foi condenado, e não há previsão de início do julgamento.
"A gente não esquece dia nenhum. Por mais que a gente saia, às vezes está em outro lugar sorrindo, mas, no fundo, no fundo, tem a tristeza da falta deles, a saudade e também um sentimento de injustiça. Não foi uma perda normal, não foi um acidente, tudo isso é muito doloroso, e essa falta de justiça adoece ainda mais os familiares. Para matar, foi menos de um minuto", afirmou.
O que diz a Vale
Em nota, a Vale destacou "seu respeito às famílias impactadas pelo rompimento da barragem" e afirmou que "segue comprometida com a reparação dos danos, o que vem avançando de forma consistente e nas bases pactuadas no acordo judicial de reparação integral e em outros compromissos firmados para indenização individual".
"A empresa ratifica que sempre norteou suas atividades por premissas de segurança e que nunca se evidenciou nenhum cenário que indicasse risco iminente de ruptura da estrutura B1", declarou.
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