Tribunal terá, ainda em fevereiro, a composição completa por conta da posse do ministro Flávio Dino.
Por Fernanda Vivas, g1 — Brasília
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai começar o ano Judiciário de 2024 com a análise de novos conjuntos de ações penais contra réus pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro.
A partir de fevereiro, também contará com a composição completa, com a posse de Flávio Dino, prevista para o dia 22. Dino será o 172º ministro do Tribunal e vai ocupar a cadeira vaga com a aposentadoria da ministra Rosa Weber, em outubro.
Ao longo do ano, a Corte pode se debruçar sobre uma série de processos com impactos diretos na vida dos cidadãos. O g1 reuniu detalhes desses casos.
Novo ministro
A Corte deverá iniciar os trabalhos com um novo ministro, já que a posse de Flávio Dino — aprovado pelo Senado em dezembro de 2023 — está prevista para o dia 22 de fevereiro.
Dino será o 172º ministro em 132 anos de história do tribunal. Ele assumirá a cadeira vaga com a aposentadoria da ministra Rosa Weber. Uma vez empossado, vai poder participar dos julgamentos em que a ministra não tiver apresentado voto.
Ações penais de réus do 8 de janeiro
No dia 5 de fevereiro, o Supremo deve encerrar o julgamento de 29 ações penais contra réus pelos atos de 8 de janeiro — quando foram invadidas e depredadas as sedes dos Três Poderes.
Um pouco antes, no dia 2 de fevereiro, a Corte vai iniciar o julgamento de um novo bloco de ações penais — desta vez serão analisados os casos de 12 acusados de participação nos atos antidemocráticos.
Ao longo de 2023, o tribunal condenou 30 pessoas envolvidas no caso a penas que chegam a 17 anos de prisão.
Correção do FGTS
Os ministros devem definir a forma de correção dos depósitos do FGTS — um fundo que protege empregados demitidos sem justa causa. Atualmente, o reajuste dos valores depositados no fundo é feito com base na chamada Taxa Referencial (TR).
O relator, ministro Luís Roberto Barroso, propõe que a correção seja pela poupança a partir de 2025, para novos depósitos. O caso será retomado com o voto do ministro Cristiano Zanin, que tinha pedido vista (mais tempo de análise) em novembro.
'ADPF pelas vidas negras'
O Tribunal deve voltar a deliberar sobre uma ação de partidos e movimentos sociais contra a violação de direitos da população negra, chamada de "ADPF pelas vidas negras".
O grupo pede que a Corte reconheça que há um "estado de coisas inconstitucional" e determine ao governo que elabore um plano de enfrentamento do racismo institucional.
ADPF é a abreviação do termo "Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental" e é um instrumento previsto na Constituição, com o objetivo de garantir a efetivação dos prefeitos fundamentais contidos nela.
Em novembro, o plenário ouviu os argumentos dos representantes das partes do processo. O caso será retomado com o voto do relator, ministro Luiz Fux, e dos demais ministros.
Porte de drogas para consumo
O caso deverá ser retomado com o voto do ministro André Mendonça, que pediu vista (mais tempo de análise) em agosto.
A Corte tem, até o momento, cinco votos para liberar o porte de maconha para consumo pessoal — dos ministros Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Rosa Weber. Houve um voto contra a liberação do porte para uso pessoal: foi do ministro Cristiano Zanin.
No entanto, os seis ministros que já votaram concordaram que é preciso estabelecer um critério objetivo para definir o que diferencia o traficante de maconha do usuário.
Os ministros ainda analisam a quantidade-limite para caracterizar a guarda do entorpecente pelo usuário. Há propostas de 100g, de 60g, de variação entre 25 e 60g e de limite até 25g. Há ainda sugestões no sentido de que o Congresso estabeleça os mínimos.
Revista íntima nos presídios
O processo sobre a legalidade de revistas íntimas vexatórias em pessoas que visitam presídios deve voltar à pauta com o voto do ministro Gilmar Mendes, que pediu o envio do caso ao plenário presencial.
O relator, ministro Edson Fachin, sustentou que esse tipo de revista fere a Constituição Federal. Com isso, as provas obtidas a partir deste tipo de prática não podem ser usadas em eventuais processos penais. Também entende que as revistas íntimas desse tipo não podem ser justificadas, por exemplo, pela falta de equipamentos de detecção de metais.
'Revisão da vida toda'
Os recursos à decisão sobre a chamada "revisão da vida toda" já estão liberados para a retomada do julgamento. Cabe agora o tribunal pautar o caso.
A "revisão da vida toda" é um mecanismo que abre a possibilidade de aplicação de uma regra mais vantajosa para segurados no cálculo dos benefícios.
A deliberação será retomada a partir do voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, que tinha pedido o envio do caso ao plenário presencial em dezembro. A discussão envolve estabelecer as orientações para a forma como serão feitos os pagamentos.
Recursos à decisão sobre a "coisa julgada em matéria tributária"
Os ministros devem voltar a julgar os recursos contra a decisão que autorizou a revisão de determinações judiciais em relação a tributos. Esses pedidos começaram a ser avaliados em novembro, mas um pedido de vista do ministro Dias Toffoli suspendeu a análise.
Em fevereiro deste ano, a Corte tinha decidido que a revisão era possível, mesmo que a disputa sobre a cobrança já estivesse encerrada na Justiça. Isso pode acontecer nas situações em que, mesmo após o pronunciamento definitivo do Judiciário, uma decisão do Supremo reconhece que o pagamento deve ser feito.
Na prática, se uma disputa judicial sobre o pagamento de um tributo acabou por beneficiar o contribuinte, liberando-o do pagamento, ela pode ser revista se houver mudança no entendimento sobre as leis que deram base à conclusão da Justiça. Essa modificação de orientação deve ocorrer por decisão do próprio Supremo.
Esse entendimento vale para tributos recolhidos de forma continuada, ou seja, com cobrança periódica. Isso acontece, por exemplo, com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
O processo que foi analisado pelo Tribunal envolveu justamente a CSLL. Em 1992, empresas conseguiram na Justiça o direito de não pagar a contribuição. Essa decisão favorável se tornou definitiva, sem mais recursos, em instâncias inferiores.
No entanto, em 2007, em um julgamento de ação contra a legislação sobre o tributo, o STF afirmou que a contribuição era constitucional e deveria ser paga. E fixou que, a partir daquela decisão, todos deveriam ter passado a recolher o valor regularmente.
'Uberização'
Em dezembro, a Primeira Turma decidiu que não há vínculo de emprego entre um motorista de aplicativo e a plataforma para a qual presta serviços. Foi a primeira decisão colegiada sobre o tema da "uberização" no âmbito do Supremo.
Antes, em decisões individuais, ministros da Corte já vinham seguindo na mesma linha, de não reconhecer a relação de emprego.
Mas o tema também vai à deliberação do plenário do Supremo, já que o colegiado também enviou um caso semelhante para a deliberação de todos os ministros. A intenção é uniformizar o entendimento, a ser aplicado em instâncias inferiores.
O termo "uberização" vem sendo usado para definir nova relação de trabalho em que o prestador de serviço é tido como independente e autônomo, isto é, sem que haja intermediação de empresas no serviço prestado. E faz referência ao aplicativo mais popular do mundo.
Distribuição das 'sobras eleitorais '
Podem voltar à pauta as ações que discutem a distribuição das sobras eleitorais, na definição de cadeiras nas eleições proporcionais — para deputados federais, estaduais e vereadores.
Os processos discutem como devem ser divididas as vagas para o Poder Legislativo que não foram preenchidas com candidatos pelas legendas na distribuição inicial das bancadas nas eleições.
Em abril deste ano, o relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski — agora aposentado —, votou para ampliar a participação de partidos e candidatos na distribuição das "sobras".
O caso chegou a ser retomado em agosto, mas um pedido de vista do ministro André Mendonça suspendeu a análise das ações.
Reforma da previdência de 2019
Em 2024, o plenário pode voltar a se debruçar sobre as ações que questionam a reforma da Previdência aprovada pelo Congresso em 2019.
A reforma promoveu alterações nas regras de aposentadorias de trabalhadores do serviço público e da iniciativa privada.
O conjunto de processos chegou a ser analisado em dezembro, mas um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes interrompeu a deliberação.
O relator, ministro Luís Roberto Barroso, votou pela validade da maior parte das mudanças realizadas no sistema de aposentadorias.
Fornecimento de dados de pesquisa na internet — investigações do caso Marielle Franco
Está liberado para a pauta o recurso que discute se é possível a Justiça determinar a quebra de sigilo de dados telemáticos (relacionados à internet) de pessoas indeterminadas em investigações criminais. Ou seja, acessar dados de outras pessoas que não estão necessariamente em investigação.
Antes de deixar a Corte, a ministra Rosa Weber, relatora do caso, votou para considerar válida a atuação da Justiça nesse sentido. O caso concreto envolve as investigações sobre a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018.
O Google recorreu ao STF de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, em agosto de 2020, manteve a decisão da Justiça do Rio que determinou que a empresa de internet forneça aos investigadores do caso Marielle dados que permitam a identificação de computadores e celulares de usuários que pesquisaram as combinações de palavras "Marielle Franco", "vereadora Marielle", "agenda vereadora Marielle", "Casa das Pretas" e "Rua dos Inválidos", entre os dias 7 e 14 de março de 2018.
O crime ocorreu no dia 14 de março de 2018. Momentos antes do delito, Marielle participou de um debate na Casa das Pretas, um espaço cultural localizado na Rua dos Inválidos, no Centro do Rio.
Os investigadores consideram esses dados cruciais para se chegar aos mandantes da morte de Marielle e Anderson. Já o Google argumenta que a medida fere o direito à privacidade dos usuários e que pode transformar um serviço de pesquisa na internet em ferramenta para vigilância indiscriminada dos cidadãos.
Responsabilidade por bala perdida
Também já está apto à retomada de julgamento o recurso que discute se o Poder Público é obrigado a pagar indenização por danos a famílias de vítimas de bala perdida, quando a origem do projétil é desconhecida.
O caso começou a ser analisado em setembro do ano passado. Na ocasião, o relator, ministro Edson Fachin, votou para que o Estado seja responsabilizado, mesmo na situação em que a perícia não é conclusiva. Foi acompanhado pela ministra Rosa Weber. O julgamento, no entanto, foi interrompido por um pedido de vista do ministro André Mendonça.
Validade de provas obtidas em busca baseada na cor da pele
Outro tema com repercussão social que aguarda julgamento é o recurso que discute se é possível anular provas de uma investigação quando elas foram obtidas a partir de abordagem policial motivada pela cor da pele do suspeito.
Os ministros discutem a questão a partir de um caso de um homem que foi condenado por tráfico de drogas por portar 1,53 gramas de cocaína.
A abordagem policial ocorreu em Bauru (SP), em maio de 2020, no fim da manhã, quando o homem estava de pé, ao lado de um carro.
A discussão envolve decidir se a prova é lícita, pois estaria apoiada em racismo estrutural.
Separação de bens evolvendo quem tem mais de 70 anos
Em 2024, a Corte também pode analisar se deve ser obrigatória a aplicação do regime de separação de bens em casamento de pessoas com mais de 70 anos.
O processo questiona se é constitucional a determinação do Código Civil de que o casamento de pessoas com mais de 70 anos só pode ser feito pela separação obrigatória de bens. Por esse regime, quando há divórcio, não há divisão de patrimônio entre o ex-casal.
Os advogados contrários à aplicação do artigo sustentam que ele viola princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana, a isonomia e da autonomia da vontade. Pontuam que houve uma mudança no cenário da sociedade brasileira, com a mudança do perfil demográfico da população.
Os representantes favoráveis à manutenção da regra sustentam que ela é compatível com a Constituição, que não há violações a direitos e que há casos em que é possível a intervenção do Direito na vida privada.
Comentários: