Segundo o Ministério Público, eles tinham o dever de agir previsto na Constituição e na lei, mas não atuaram para evitar a destruição das sedes dos Três Poderes.
Por Fernanda Vivas, g1 e TV Globo — Brasília
Com o aval da maioria da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) para a abertura de processos penais, sete ex-integrantes da cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) vão passar a responder na Justiça pela acusação de omissão diante dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro — quando foram invadidas e depredadas as sedes dos Três Poderes.
De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), autora da denúncia, eles não agiram para evitar os ataques, mesmo tendo os meios para isso. A Procuradoria argumentou ainda que o grupo sabia dos riscos de invasão aos prédios públicos, tinha o dever de agir e os meios necessários para evitar a destruição.
Mesmo assim, de forma proposital, os militares não teriam impedido os crimes. Nesse contexto, eles passam a responder por alguns dos delitos também atribuídos aos vândalos
As defesas dos acusados negam as irregularidades, sustentam que não é competência do Supremo julgar o caso, e que a denúncia não indica, de forma clara e precisa, a conduta dos acusados.
Previsão legal
A acusação aos policiais militares é possível porque a lei penal brasileira permite a punição não apenas por ações, mas também por omissões. Em alguns casos, quando a omissão é penalizada, pode levar a pessoa a responder pelos crimes que não agiu para evitar. É este o caso dos PMs.
Na acusação, a PGR aponta que a omissão deles deve ser punida, já que eles tinham a "posição de garante" ou "garantidor", ou seja, deveres de vigilância, proteção e cuidados, que têm origem na Constituição.
A Constituição atribui aos policiais militares a "preservação da ordem pública". Além disso, a Lei Orgânica da PM do DF estabelece que a corporação deve assegurar o livre “exercício dos poderes constituídos”.
A PGR apontou ainda que o Código Penal também detalha a chamada "posição de garante", atribuída a quem tem "por lei, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância".
E ponderou que nos atos de 8 de janeiro todos os oficiais estavam nessa condição, e deveriam ter agido para evitar que os crimes ocorressem. Como — de propósito, ou seja, de forma dolosa — eles não agiram, passam a responder também pelos seguintes delitos:
- abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
- golpe de Estado;
- dano qualificado pela violência e grave ameaça, com emprego de substância inflamável, contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima;
- deterioração de patrimônio tombado;
"Todos os denunciados, dentro de suas esferas de atribuição ou do raio de ação das tropas que comandavam em campo, possuíam o dever de interromper o encadeamento causal que levou aos crimes de 8 de janeiro de 2023, com efetiva capacidade para fazê-lo", afirmou o MP na denúncia.
"Todos os denunciados, reitere-se, detinham capacidade de interromper o curso causal, por ação individual, dado o potencial exercício de poderes de comando, ou conjunta. Abstiveram-se, pois estavam conluiados para que se permitisse a materialização dos atos antidemocráticos", completou.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, apontou em seu voto que a investigação reuniu elementos que apontam a omissão intencional.
"O contexto extraído da investigação evidencia que todos os denunciados se omitiram dolosamente, aderindo aos propósitos golpistas da horda antidemocrática que atentou contra os três Poderes da República e contra o Regime Democrático", escreveu Moraes.
"Isso porque (a) tomaram conhecimento de cada pequena etapa do curso causal, do propósito golpista dos insurgentes, ostentavam posição de garante e desejavam ou, pelo menos, assumiram o risco dos resultados lesivo; (b) escalaram efetivo incompatível com a dimensão do evento, deixando de proteger os bens jurídicos pelos quais deveriam zelar; (c) retardaram a atuação da PMDF, abriram linhas de contenção para que os insurgentes pudessem ingressar nos edifícios e deixaram de confrontar a turba; e (d) a PMDF somente passou a atuar de maneira eficaz com a anunciada intervenção federal", prosseguiu o ministro.
Denúncia
A Primeira Turma do Supremo analisa, no plenário virtual, se deve ou não receber a denúncia contra sete oficiais que integravam a cúpula da PM do DF. São eles:
- Fábio Augusto Vieira (comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal à época dos fatos),
- Klepter Rosa Gonçalves (subcomandante-geral),
- Jorge Eduardo Barreto Naime (coronel da PMDF)
- Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra (coronel da PMDF)
- Marcelo Casimiro Vasconcelos (coronel da PMDF),
- Flávio Silvestre de Alencar (major da PMDF)
- Rafael Pereira Martins (tenente da PMDF)
Já há maioria de votos no sentido de receber a denúncia — o que vai tornar réus os policiais. Votaram nesta linha o relator, ministro Alexandre de Moraes; e os ministros Cristiano Zanin e Cármen Lúcia. O julgamento termina no dia 20 de fevereiro, em ambiente virtual.
Eles podem recorrer da decisão de recebimento da acusação no próprio Supremo. Se for mantido o caso, a ação penal prossegue.
No curso do procedimento, os militares podem apresentar defesas e pedir a produção de provas. Ao final, o Supremo vai julgar se houve crime, a participação de cada um nos delitos e se deve haver condenação. Dessa decisão, pode caber recurso dentro do próprio Tribunal.
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